Quantas ferrovias existem no mundo onde o maquinista pode, se o tempo o permitir, parar o comboio para que todos possam sair e colher fruta?… Ou parar para que os seus passageiros possam nadar num lago próximo, ou para observar um alce a passear numa clareira da floresta? Acredite que este não é um comportamento invulgar no Inlandsbanan – o “Inland Railway” – a linha que atravessa as florestas imaculadas do interior sueco. Surpreendentemente lenta e deliberadamente excêntrica, é uma das ferrovias mais calorosas da Europa.

O comboio percorre 1300 quilómetros, apróximadamente, de Kristinehamn, no sul, até Gällivare, no norte, e é um tesouro cultural que remonta a mais de cem anos. Se estiver com pressa, pode fazer a viagem em dois dias, mas a nossa sugestão é que faça algumas paragens ao longo do caminho para experiênciar esta região escassamente povoada.

Geralmente o Inlandsbanan é composto por apenas uma ou duas carruagens, em classe normal. Somos acompanhados por um guia que nos vai dando algumas informações necessárias sobre a viagem, incluindo histórias (em sueco e inglês) sobre os diversos pontos turísticos que vamos encontrando ao longo do percurso. A bordo também podemos usufruir de algumas bebidas, snacks e casa de banho. Em relação aos almoços e jantares, estes podem ser comprados durante as paragens nos restaurantes junto à linha (certifique-se que não perde o comboio).

O Inlandsbanan faz muitas paragens, algumas de alguns minutos, outras um pouco mais longas – e ainda pode fazer mais alguma paragem extra, a pedido! Se é um entusiasta do ciclismo, é possível levar a sua bicicleta e percorrer alguns trilhos remotos – basta reservar previamente um lugar para a bicicleta no comboio.

O Inlandsbanan leva-nos a alguns dos lugares mais interessantes do interior da Suécia, como a magnífica região selvagem da Lapónia (Património Mundial da Unesco), onde passamos pelo Círculo Polar Ártico e onde podemos ver, com os nossos próprios olhos, a luz da meia-noite. A viagem é repleta de experiências emocionantes e temperada com uma boa dose de tradições gastronómicas. Nos próximos parágrafos partilhamos toda a informação de que necessita, baseada na nossa experiência, para embarcar nesta jornada incrível e repleta em todos os sentidos!

O comboio é apelidado de Inlandsbanan pelo facto de circular mais “para o interior” em relação à linha principal, a norte de Estocolmo, que segue a costa do Golfo de Bótnia. O trajecto foi construído em 1937, e servia as indústrias mineira e madeireira, bem como comunidades remotas que ali habitavam. Os tempos mudam e a linha foi encerrada em 1992. Actualmente, a linha ferroviária reabre todos os verões, durante algumas semanas, para os visitantes. Geralmente o período de funcionamento do Inlandsbanan começa nos finais de junho e termina nos últimos dias de Agosto.

Estação de Arvidsjaur

As rotas dO Inlandsbanan

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Östersund – Gällivare

A parte mais famosa do Inlandsbanan é a rota norte de Östersund para Gällivare (746 km), com um tempo de viagem de 13 horas, aproximadamente. A maior parte da linha percorre a região da Lapónia, onde podemos admirar as grandes florestas de bétulas, planícies e pântanos. Ao longo do percurso, a ferrovia atravessa muitos rios de grande dimensão, que vão desde a cordilheira escandinava até ao Mar Báltico. Como passa por zonas pouco povoadas, existe uma grande probabilidade de ver renas ou até mesmo um alce durante a viagem! 

Mora – Östersund

No sul pode viajar de Mora para Östersund (tempo de viagem 5:30 h). A paisagem ao longo desta parte da linha não é tão agreste e selvagem como a do norte, no entanto, ainda é possível observar grandes florestas e admirar grandes lagos.

Kristinehamn-Mora

A linha original passava por Vansbro e Persberg, mas está fechada há muitos anos. Hoje em dia é possível viajar através de um serviço especial noutra rota de Kristinehamn para Mora via Borlänge e Ludvika, mas apenas durante os meses de verão (horário de viagem 6:30 h).

Mapa do Inlandsbanan

Como chegar ao Inlandsbanan

COMBOIO: No sul e centro da Suécia, existem vários comboios que nos levam até ao Inlandsbanan, mais especificamente, para Kristinehamn e Mora. Existe também um comboio de Estocolmo para Östersund e um comboio noturno de Estocolmo para Gällivare.

AVIÃO: Se pretender começar sua jornada mais a norte, viajar para lá de avião pode ser uma opção. Há aeroportos em Östersund, Vilhelmina, Storuman, Arvidsjaur, Gällivare e Kiruna.

CARRO: Se pretende viajar de carro ou autocaravana até ao Inlandsbanan, saiba que a maioria das estações de comboio na Suécia, têm estacionamento de longa duração e em segurança.

PONTOS DE INTERESSE do Inlandsbanan

– de Sul para Norte – 

1 – Kristinehamn – Estátua de Picasso: A estátua de 15 metros é uma das maiores obras de arte de Picasso em todo o mundo. Aqui podemos visitar um museu com diversas exposições e visitas guiadas durante a época de verão.

2 – Mora – Zorn: O museu Zorn em Mora é um dos museus de arte mais populares da Suécia. O museu é dedicado a Anders Zorn (1860-1920) e possui a maior colecção do mundo de obras do respectivo artista.

3 – Fagelsjö – Gammelgård: A sua localização única, torna-a não só num dos pontos altos do município, mas também numa das sete quintas de Hälsingeland que foram designadas Património Mundial da UNESCO. Durante o verão há passeios diários pela casa que também alberga uma loja de artesanato.

4 – Svenstavik – Centro Interactivo do Lago Storsjö: Se tem interesse em descobrir mais sobre o Monstro do Lago Storsjö, então o Centro Interpretativo do Lago Storsjö, em Svenstavik, é o lugar certo para si.

5 – Östersund – Jamtli: No premiado Museu Jamtli, a história ganha vida durante os meses de verão (25 de junho a 14 de agosto), quando os actores retratam a vida dos antepassados nas antigas casas da quinta. Pode participar numa das três caminhadas históricas diárias ou descobrir os cenários ao seu próprio ritmo. No museu, aberto todo o ano, há exposições interessantes sobre a vida dos Sami, a Era Viking e a Idade da Pedra, tendo como atracção principal as tapeçarias de Överhogdal, com mil anos de existência.

6 – Hoting – Museu de Carros Antigos Ivars: Este museu automóvel alberga uma das mais distintas colecções de automóveis antigos da Europa.

7 – Vilhelmina: Aqui existe uma aldeia da igreja, do século XIX, constituída por cabanas de madeira. Mediante reserva, é possível ficar hospedado numa dessas cabanas. No local podemos também encontrar o Museu Vilhelmina, onde ficamos a conhecer a história da região, desde a antiguidade até aos dias de hoje. No exterior do museu encontra-se a estátua de Lapp-Lisa, onde poderá ler sobre a sua vida numa das exposições do museu. 

Paragem para o almoço em Vilhelmina Norra

8 – Storuman – Igreja de Stensele: Esta Igreja, também conhecida como “Catedral da Lapónia”, é uma das maiores igrejas de madeira da Suécia, com espaço interior para 2.000 pessoas. Aqui, é possível observarmos uma das cópias mais bem preservadas da Bíblia da Rainha Cristina e, se olharmos com muita atenção, a Bíblia mais pequena do mundo, do tamanho de um selo.

9 – Slagnäs – Aldeia de Batsuoj: Nesta localidade temos a oportunidade de visitar uma Aldeia tradicional Sami e explorar as tradições deste povo. Aqui aprendemos sobre a importância das renas e desfrutamos de algumas iguarias, ao mesmo tempo que estamos sentados em peles de rena, ao redor do fogo quente e crepitante, num Sami Goahti.

10 – Arvidsjaur – Lappstaden: Esta povoação, em Arvidsjaur, data do século XVII e é uma aldeia tradicional do povo Sami muito bem preservada. Neste local podemos observar diversas casas de madeira que foram construídas em torno da igreja.

11 – Jokkmokk -Ájtte Museu das Montanhas Suecas e do Povo Sami: O Ájtte é um dos principais museus da cultura Sami na Suécia e um polo bastante importante para a flora e cultura da região. É também, um centro de informações para os turistas.

12 – Gällivare: Para quem viaja do Sul da Suécia, esta é a estação terminal desta fantástica viagem. A apenas três quilómetros do centro de Gällivare, sugerimos que visite a Montanha de Dundret de onde temos uma vista panorâmica incrível. Este é um dos melhores lugares para admirar o Sol da Meia-Noite, entre 4 de junho e 9 Julho, todos os anos.

Estação de Gällivare

A NOSSA EXPERIÊNCIA

Quando iniciámos Uma inesquecível viagem de comboio na Europa estávamos longe de imaginar que atravessariamos de comboio, de Sul a Norte, grande parte do território Sueco! Foi na Dinamarca, mais precisamente em Copenhaga, que decidimos fazer a viagem no Inlandsbanan. Como faltavam apenas 4 dias para que o comboio fizesse a última viagem da temporada, em direcção ao Norte, fizemos-nos aos carris. Partimos bem cedo de Copenhaga em direcção a Östersund, estação de onde pretendíamos iniciar a viagem do Inlandsbanan. Para lá chegar, passamos pelas cidades de Malmo, Gotemburgo e Estocolmo.

Chegamos a Östersund no dia que antecedia a nossa partida e aproveitamos para conhecer um pouco da cidade. Östersund é uma pequena cidade, banhada pelas águas do Lago Storsjön, onde a principal atracção é o Jamtli – um Museu de História Viva semelhante ao Skansen de Estocolmo, que narra a vida ao longo dos séculos com a ajuda de actores caracterizados com roupas da época. Vale a pena a visita!

Estação de Östersund

No dia seguinte, por volta das 07h30 da manhã, já estávamos na estação, e como planeado iríamos partir na última viagem da temporada do Inlandsbanan, em direcção ao norte. Tínhamos conseguido!!! Partimos de Östersund, numa viagem de 13 horas até ao terminal norte da linha, na cidade industrial de Gällivare. Em pouco tempo, o comboio atravessa a fronteira com a Lapónia – seguido de um modesto sinal a informar que se entrou no Círculo Polar Ártico. Muitos passageiros deixam o comboio em cidades como Sorsele, antes de seguirem por pequenas estradas, em direção às montanhas que se erguem ao longo da fronteira com a Noruega.

Passagem pelo Círculo Polar Ártico

Nesta região da Suécia, os pescadores aproveitam este ambiente para pescar trutas em riachos de montanha com caudal rápido e os caminhantes procuram conquistar o trilho de longa distância mais famoso da Suécia, o Kungsleden (com cerca de 450 km), que corre paralelamente à parte norte do Inlandsbanan. Esta região é também o lar dos Sami, o último povo indígena da Europa. Se pretende ficar alojado nesta região, saiba que é relativamente fácil arranjar estadias em tendas tradicionais dos Sami.

Quando o relógio marca 12h30, aproximadamente, o Inlandsbanan faz a paragem mais longa da viagem. Em Vilhelmina Norra, o comboio faz uma pausa de uma hora para o almoço no Restaurante Bergmans Fisk & Vilt. Para além dos pratos típicos da região, também existem opções vegetarianas, o que para nós foi excelente! Aqui, também podemos fazer algumas compras na loja do restaurante, caminhar pelos bosques e apreciar as margens do Lago Volgsjön.

Com as energias repostas, prosseguimos a viagem no Inlandsbanan. A maior parte das vezes, o comboio avança a uma velocidade média de cerca de 50 km/h, o que nos permite apreciar, com tranquilidade, as florestas de abetos e pinheiros – o território de lobos, ursos e alces. Por vezes, o comboio vai parando para deixar um viajante num canto solitário da floresta, longe das estações e povoações.

Uma das paragens programadas é na cidade de Sorsele onde, entre outras coisas, podemos visitar o bonito Museu do Inlandsbanan, instalado no antigo armazém de carga no edifício da Estação. Foi o que fizemos e gostamos bastante! É aqui, nesta estação, que também nos cruzamos com o comboio que segue para sul!

Apreciando a paisagem do lado de fora da janela, ao mesmo tempo que relaxamos com o som rítmico das rodas do comboio nos trilhos, o comboio prossegue o seu caminho. Durante a viagem, por breves momentos, tivemos a oportunidade de ir falando com o motorista e a guia que nos acompanhava. Ambos suecos, naturais desta região, foram partilhando histórias e informações que enriqueceram a nossa viagem! As próximas paragens são nas estações de Arvidsjaur e Moskosel, pausas de 10 e 35 minutos respectivamente. Nestas pequenas estações, podemos explorar um pouco mais das tradições do Norte da Suécia, fazer algum tipo de refeição ou simplesmente passear e/ou descansar.

Durante a tarde, o comboio chega a um dos pontos altos da linha – a ponte ferroviária e rodoviária sobre o Rio Pite (Pite Älv). Se o Inlandsbanan não estiver atrasado, é possível sair-mos do comboio e atravessar a ponte a pé, enquanto o mesmo nos segue lentamente e nos apanha do outro lado da ponte. É impressionante ver o rio torrencial, encaminhando a água das montanhas até ao Mar Báltico.

Já na parte final, a 2 horas de viagem da Estação de Gällivare, fazemos a última paragem programada do Inlandsbanan. É na passagem pelo Círculo Polar Ártico, que o comboio efectua uma breve pausa e onde somos convidados a registar a nossa passagem pelo local. Ali encontramos uma enorme placa e algumas pedras pintadas de branco que identificam a linha imaginária do Círculo Polar Ártico.

Neste momento, uma vez que passamos a estar a norte do Círculo Polar Ártico, se viajar-mos em Junho ou em Julho, podemos desfrutar do Sol da Meia-Noite. Mesmo em Agosto, que foi o nosso caso, o céu não chega a ficar totalmente escuro.

Na recta final do percurso, aproveitamos para ultimar os próximos passos da nossa grande viagem. Chegamos a Gällivare, já passava das 21h30 e fomos directamente para o Gällivare Camping AB, local onde ficamos alojados. No dia seguinte, seguimos de comboio até Narvik, já na Noruega onde apanhamos um autocarro que nos levou até ao nosso próximo destino. As Ilhas Lofoten!

O Inlandsbanan é uma linha férrea com uma velocidade glacial que reflecte a lentidão da vida nestas latitudes setentrionais. É uma experiência única que merece ser vivida pelo menos uma vez na vida. Na era dos comboios a 300 km/h e das enormes e apinhadas estações ferroviárias, o Inlandsbanan preserva a calma milagrosa das viagens de comboio. Adoramos viajar assim!!! 

MAPA DO PERCURSO DO INLANDSBANAN  

Todos os locais mencionados neste texto estão identificados no mapa para que seja mais fácil orientar-se e ter uma ideia geral do trajecto do Inlandsbanan. Para visualizar a legenda, basta clicar no botão que está no canto superior esquerdo.